Alforria


Uma comparação entre duas datas permite perceber a quantidade razoável de negros e mulatos forros ao longo do século do ouro.  Em 1735, estes subiam a 1.420, sobre um total de 96.541 escravos (segundo o Códice Costa Matoso), o que representava uma porcentagem de 1,4% aproximadamente. Em 1786, os forros já constituíam 35% da população de cor, embora predominassem entre eles os mulatos.
 
 
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Lista dos Pretos Forros
Negras forras vivendo de seus trabalhos. Debret, BMSP

A principal explicação para esta elevada taxa de libertos se encontra na possibilidade de o negro comprar sua alforria.  Comumente os senhores das lavras permitiam a seus trabalhadores catar ouro nas horas livres, nas faisqueiras de baixo rendimento, também chamadas zonas de "ouro podre" ou "distritos de livre mineração".  O produto era parcialmente usado para integrar a quota fixada como preço da liberdade.  Em muitos outros casos, o negro escamoteava pepitas da jazida, escondendo-as no corpo, na roupa, no ânus ou nos cabelos, ou lavava o ouro em pó que eventualmente se colava na cabeleira, e acumulava o obtido por esse contrabando para depois adquirir a condição livre, ou pelo menos para comprar uma comida melhor que a farinha de milho, o toucinho e o feijão que lhe eram servidos.  Reza a lenda que a igreja de Santa Ifigênia foi construída com o dinheiro da lavagem dos cabelos das negras na pia batismal. É importante lembrar que a fiscalização dos senhores e feitores era severa, o que deve ter coibido um bocado a prática acima.  São conhecidas as terríveis humilhações sofridas pelos negros das lavras diamantíferas, obrigados a clisteres de pimenta malagueta pela suspeita de que engolissem alguma pedra.
De qualquer maneira, as alforrias eram significativas para a sociedade das Gerais, e aumentaram quando as lavras mais importantes declinaram, devido ao ônus que representaria alimentar muitos negros em jazida de baixa renda.  Os homens de cor tornados libertos conseguiram em várias ocasiões uma ascensão social, como veremos mais adiante.  Mas não se podem levar em excessiva conta figuras lendárias como Chico-Rei, ou brilhantes como Chica da Silva, para situar a posição do negro em Minas; não desaparecerem as mazelas da escravidão, nem as constantes injustiças: o funcionário José João Teixeira Coelho relatou em 1780 a atitude das autoridades judiciárias da capitania com relação aos escravos, falando, por exemplo, de um negro preso em Mariana, por simples suspeita de que fosse um fugitivo. 
 
 

Os capitães-de-mato muitas vezes apreendiam homens de cor, libertos ou não, e exigiam resgate por eles.
As fugas constantes de escravos constituíam outro sintoma das dificuldades destes, a ponto de haver referência a elas como "um dos grandes problemas de Minas Gerais através do século XVIII". 
Existiram muitos quilombos, alguns deles com centenas e até milhares de moradores.  As penalidades tornaram-se aos poucos mais cruéis, dada a freqüência da ocorrência; ordem da Coroa de 1741 mandava marcar os fugitivos recambiados com uma letra F impressa a fogo na espádua, o que logo se tornou um símbolo de coragem e distinção entre a escravaria.

Capitão-do-mato. Rugendas, BMSP.

Na reincidência, o escravo deveria ter uma orelha cortada, e a pouca eficácia destas medidas levou os camaristas de Mariana a propor em 1755 que a fuga fosse punida com o corte do tendão de Aquiles, para que o incurso ficasse impedido de correr mas não de trabalhar, capengando.  Certa lucidez dos funcionários da administração pombalina impediu a adoção da medida, bem como de outras, propostas por autoridades locais, visando a impedir a compra da liberdade por cativos que arranjassem dinheiro para tanto.
Apesar de tudo isso, o número surpreendente de alforrias no setecentismo mineiro resta como saldo favorável à idéia de uma mobilidade social, inexistente nos quadros coloniais anteriores, e que teve força naquela formação social específica.


 
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Brasil História / Antonio Mendes Jr., Luís Roncari, Ricardo Maranhão - São Paulo: Digitalmídia Editora Ltda, 1995.
Lista publicada em São Paulo onde está sua história -  Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 1981.
Debret e Rugendas publicada em Brasil Revisitado: palavras e imagens / Carlos Guilherme Mota, Adriana Lopez. - São Paulo: Editora Rios, 19899.