Nova articulação


O interregno do Estado Novo inibiu a comunidade negra nacionalmente do ponto de vista organizacional e ideológico. Da mesma forma como as entidades populares e democráticas, sindicatos, associações culturais e outras ficaram sob a vigilância permanente dos órgãos de segurança e repressão, as organizações negras recuaram diante da situação. Passaram a se organizar como simples clubes de lazer, especialmente dançantes ou esportivos. Somente com a redemocratização, com a vitória dos Aliados e a derrota do nazismo, o negro começa a organizar-se outra vez de forma significativa.
Assim, em 1945 foi fundado, no Rio de Janeiro, o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, o qual tinha como objetivos principais:
a convocação de uma Assembléia Constituinte;
anistia ampla e incondicional para os crimes políticos e conexos;
extinção do Tribunal de Segurança Nacional;
intensificação do esforço de guerra;
liberdade de palavra escrita e falada;
liberdade de agremiação;
direito de voto aos membros das Forças Armadas sem distinção de postos e direito a sua participação na Assembléia Constituinte;
direito de voto nos navios mercantes;
reconhecimento do direito de greve;
atamento de relações diplomáticas com a URSS;
autonomia sindical;
direito de sindicalização para o trabalhador das organizações autárquicas;
assistência ao trabalhador rural;
direito de sindicalização para as empregadas domésticas;
liberdade de culto às religiões afro-brasileiras;
ensino gratuito;
punição às empresas que fazem seleção racial e de cor;
abolição das seleções raciais e de cor na diplomacia;
abolição da seleção de cor nas escolas militares;
participação do negro nos assuntos de colonização e imigração;
democratização de todas as organizações negras, aproximando-as das organizações dos brancos;
fazer a aproximação das escolas de samba, clubes dançantes, associações religiosas, livrando-as da exploração política e comercial;
e criar escolas de alfabetização em todo o território nacional.
O Comitê propunha, ainda, a realização de um Congresso Popular Brasileiro, colaborar com o Congresso de Artistas Plásticos e também, entre outras coisas, o início de uma campanha para a construção de um monumento a José do Patrocínio.
Nessa mesma conjuntura de redemocratização surge, em 1944, o Teatro Experimental do Negro, no Rio de Janeiro, liderado por Abdias do Nascimento. Ensaiou e apresentou peças, dinamizou a consciência da negritude brasileira e editou um jornal, Quilombo, no qual o pensamento do grupo e a proposta do TEN se apresentava à opinião pública.

O TEN teve de experimentar grandes dificuldades, quer financeiras, quer ideológicas, suspendendo as suas atividades no palco, mas sempre procurando levantar o problema do negro. Nesse sentido, o TEN organizou o Instituto Nacional do Negro e ao mesmo tempo procurou imprimir às suas atividades um conteúdo de elite cultural negra. Sob sua influência foi convocada a Conferência Nacional do Negro, em 1949.
Por essa mesma época o poeta Solano Trindade, que vinha já de atividades anteriores como fundador, em 1936, de um Centro de Cultura Afro-Brasileira, antigo participante da Frente Negra Brasileira em Pernambuco e criador de um grupo de arte popular no Rio Grande do Sul, procura fundar, no Rio de Janeiro, em 1945, o Teatro do Povo. Essa sua idéia não teve êxito em conseqüência de dificuldades financeiras e ideológicas que surgiram.
Reúne-se a Haroldo Costa em 1948 para formarem o Teatro Folclórico Brasileiro, dele no entanto se afastando quando o empresário Askanasi transformou-o em uma empresa meramente comercial. Ainda no sentido de organizar o negro culturalmente, fundou juntamente com Edison Carneiro e Dirceu de Oliveira o Teatro Popular Brasileiro, composto de artífices, operários de fábricas, domésticas e pessoas de outras camadas populares. Com esse grupo viajou ao exterior, obtendo êxito em várias capitais européias. O Teatro Popular, no entanto, dispersou-se logo após o seu regresso.
Solano Trindade, em São Paulo, tenta reorganizá-lo, continuando com exibições esporádicas até a sua morte.

Por outro lado, não devemos nos esquecer das organizações negras que se articularam durante muito tempo e continuamente, atravessando os períodos de crise aguda da sociedade brasileira. No interior de São Paulo, especialmente, essas entidades funcionaram sem solução de continuidade durante muitos anos e existem até hoje em número calculado em mais de cem. Temos como exemplos as que funcionam como clubes de lazer nas cidades de Campinas, Sorocaba, Piracicaba, São Carlos, Jundiaí, Araraquara, Catanduva e em outras cidades, muitas delas fundadas há mais de trinta a até cinqüenta anos.


 
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História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura - São Paulo: Editora Ática S.A., 1992