A Imprensa Negra


A revolta dos marinheiros de João Cândido termina em 1911. Quatro anos depois tem início, em São Paulo, uma relevante manifestação de identidade étnica, das mais importantes pra conhecermos a trajetória do negro brasileiro na luta pela cidadania. Referimo-nos à chamada imprensa negra paulista, cujo primeiro jornal intitula-se O Menelick e começa a circular em 1915. Fenômeno dos mais significativos para se analisar o comportamento e a ideologia desse segmento negro urbano, os jornais editados por negros paulistas sucedem-se até 1963, quando é fechado o Correio d’Ébano.

Os negros paulistas, sentindo a necessidade de um movimento de identidade étnica, e enfrentando as barreiras de uma imprensa branca (Grande Imprensa) impermeável aos anseios e reivindicações da comunidade, recorreram à solução mais viável, que era fundar uma imprensa alternativa, na qual os seus desejos, as denúncias contra o racismo, bem como a sua vida associativa, cultural e social se refletissem.

Conforme dissemos, o primeiro desses órgãos foi O Menelick, que conseguiu grande prestígio na comunidade negra, difundindo aquilo que os seus redatores achavam mais interessantes para a vida social e cultural dos negros. Após o primeiro, outros se sucederam na seguinte ordem: A rua e O Xauter, 1916; O Alfinete, 1918; O Bandeirante, 1919; A Liberdade, 1919; A Sentinela, 1920; O Kosmos, 1922; O Getulino, 1923; O Clarim da Alvorada e Elite, 1924; Auriverde, O Patrocínio e O Progresso, 1928; Chibata, 1932; A Evolução e A Voz da Raça, 1933; O Clarim, O Estímulo, A Raça e Tribuna Negra, 1935; A Alvorada, 1936; Senzala, 1946; Mundo Novo, 1950; O Novo Horizonte, 1954; Notícias de Ébano, 1957; O Mutirão, 1958; Hífen e Niger, 1960; Nosso Jornal, 1961; e Correio d’Ébano, 1963.

Esse conjunto de periódicos que se sucedem durante quase cinqüenta anos influirá significativamente na formação de uma ideologia étnica do negro paulista e irá influir, de certa maneira, no seu comportamento. Concentrando o seu noticiário nos acontecimentos da comunidade, divulgando a produção dos seus intelectuais nas páginas dessas publicações, aconselhando, orientando e criando, mesmo, um código moral puritana para ser obedecido pelos negros, essa imprensa “feita por negros para negros” marcou profundamente o pensamento do negro paulista.

Os seus sobreviventes, como José Correia Leite, Francisco Lucrécio e Aristides Barbosa ainda rememoram com nostalgia esse período. Esses jornais, mantidos pelos próprios grupos que os editavam e alguns membros da comunidade que se cotizavam para ajudá-los, constituíram um fato único no Brasil. A obstinação desses grupos negros em manterem um espaço ideológico e informativo independente, bem como a sua consciência étnica, determinou a sua continuidade, embora intermitente. Por outro lado, esses jornais também serviram de veículo organizacional dos negros. As discussões que se tratavam nas suas páginas, a colocação permanente dos problemas específicos da comunidade, as denúncias contra o racismo e a violência através de fatos concretos, tudo isso levou a que os negros de São Paulo fundassem o maior movimento político negro no Brasil: a Frente Negra Brasileira.

Esses jornais, conforme já dissemos, não refletiam nas suas páginas os grandes acontecimentos nacionais. Nada sabemos, pela sua leitura, da Coluna Prestes, da revolução de 1930, do movimento de 1932 em São Paulo, da revolta comunista de 1935 e de outros acontecimentos relevantes nesse período. Há, mesmo, uma certa cautela tática, pois neles também não se encontram notícias ou comentários sobre o movimento sindical, as lutas operárias, greves e a participação dos negros nesses eventos. Também não se encontram críticas ao governo. É uma imprensa altamente setorizada nas suas informações e dirigidas a um público altamente específico.

Os seus dois jornais mais importantes, O Clarim da Alvorada e A Voz da Raça, tiveram papel saliente e significativo no despertar da consciência étnica do negro paulista. O primeiro municiou a comunidade de dados e informações preciosos para que o negro se auto-identificasse na sua negritude. O segundo foi o órgão da Frente Negra Brasileira, movimento que marcou profundamente a consciência do negro, e elevou o nível de tomada de sua identidade étnica.


 
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História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura - São Paulo: Editora Ática S.A., 1992