Na inconfidência


No movimento de Felipe dos Santos, ocorrido em Vila Rica (Minas Gerais), no ano de 1720, temos notícias da participação de portugueses com os seus negros. No dia 28 de junho de 1720, sete mascarados, juntamente com muitos pretos armados, desceram do morro onde se encontravam, invadindo e depredando casas. Em seguida intimaram o governador a não abrir mais novas casas de fundição, símbolo do terrorismo do fisco naquela época.
Na Inconfidência Mineira, embora não se possa chamar esse movimento de abolicionista, os escravos negros participaram.

Inconfidência Baiana

Na Inconfidência Baiana (Revolta dos Alfaiates), de 1798, a participação é mais visível e direta: porque tinha objetivos mais radicais e a proposta de libertação dos escravos estava no primeiro plano das suas cogitações. Os seus dirigentes eram, na sua maioria, negros forros, negros escravos, pardos escravos, pardos forros, artesãos, alfaiates, enfim componentes dos estratos mais oprimidos e/ou discriminados na sociedade colonial da Bahia da época.
A conspiração, no entanto, não conseguia progredir, avançar e ligar-se mais amplamente às camadas mais exploradas, discriminadas e perseguidas. Os intelectuais que também conspiravam logo arrefeceram o ânimo e dela se retiram. A direção do movimento ficou praticamente nas mãos de negros e escravos. Luís Gonzaga das Virgens, o autor dos manifestos colados em lugares públicos, é procurado pela polícia e preso em 24 de agosto. Os inconfidentes tomam medidas de emergência e procuram resgatá-lo, mas não conseguem o seu intento. A Inconfidência Baiana entra em declínio.
A grande participação dos chamados pardos e escravos negros, depois de indiciados, reflete o seu conteúdo popular e antiescravista. Prova disso é a própria lista dos implicados e registrados nos Autos da Devassa, da qual destacamos os seguintes: João de Deus Nascimento era pardo; Manuel Faustino dos Santos, pardo livre; Inácio da Silva Pimentel, pardo livre; Luís Gama da França Pires, pardo escravo; Cosme Damião, pardo escravo; Felipe e Luís, escravos; José do Sacramento, pardo alfaiate; José Félix, pardo escravo; Joaquim Machado Pessanha, pardo livre; Luís Leal, pardo escravo; Inácio Pires, Manuel José e João Pires, pardos escravos; José de Freitas Sacoto, pardo livre; José Roberto de Santana, pardo livre; Vicente, escravo; Fortunato da Veiga Sampaio, pardo forro; Domingos Pedro Ribeiro, pardo; o preto Gege Vicente, escravo; Gonçalves Gonçalo de Oliveira, pardo forro; José Francisco de Paulo, pardo livre; Félix Martins dos Santos, pardo; além de brancos e pessoas de outros estratos sociais detidos como suspeitos.
Recolhidos à prisão, ali permaneceram até serem julgados. Em novembro de 1799 terminava o julgamento com as seguintes sentenças: Luís Gonzaga das Virgens foi condenado a morrer na forca e ter os pés e mãos decepados e expostos em praça pública; João de Deus Nascimento, Lucas Dantas, Manuel Faustino dos Santos Lira também foram sentenciados à forca e esquartejamento, devendo ficar seus corpos expostos em lugares públicos.
Igual sentença foi proferida contra Romão Pinheiro, com a agravante de serem os seus parentes considerados infames. Posteriormente a sua pena seria atenuada para degredo. O escravo Cosme Damião foi banido pra a África, e o pardo escravo Luís da França Pires, que conseguira fugir, foi condenado à morte, dando a justiça o direito de matá-lo a qualquer pessoa que o encontrasse.
Depois do julgamento, moroso e discriminatório, foram os quatro executados na praça da Piedade. Lucas Dantas e Manuel Faustino não aceitaram a extrema-unção que um padre franciscano lhes oferecera.
Foram executados, depois de ter o cortejo saído do Aljube, onde eles se encontravam, para a praça da Piedade, onde foram imolados.
Somente quatro brancos, todos intelectuais, foram presos como implicados no movimento. Eram eles Cipriano Barata, Moniz Barreto (autor do hino da Inconfidência), Aguilar Pantoja e Oliveira Borges. Todos negaram o seu envolvimento no acontecimento e apresentaram testemunhas que os inocentaram. Seus advogados conseguiram facilmente que fossem absolvidos.
Essa utopia libertária de negros escravos e livres, artesãos e pessoas socialmente discriminadas foi o movimento programaticamente mais radical de quantos foram projetados até a Independência.

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História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura - São Paulo: Editora Ática S.A., 1992