Na Independência


Em outros movimentos de mudança social o negro estará presente como força auxiliar, muitas vezes usado como massa de manobra das camadas sociais privilegiadas. Em particular, Joaquim Nabuco escreve que:
Depois veio o período da agitação pela Independência. Nessa formação geral dos espíritos os escravos enxergavam uma perspectiva mais favorável de liberdade. Todos eles desejavam instintivamente a independência. A sua própria cor os fazia aderir, com todas as forças, ao Brasil como pátria [...] Daí a conspiração perpétua pela formação de uma pátria que fosse também sua. Esse elemento poderoso de desagregação foi o fator anônimo da Independência. As relações entre os cativos, os libertos e os homens de cor, entre estes e os representantes conhecidos do movimento, foi a cadeia de esperança e simpatias pela qual o pensamento político dos últimos infiltrou-se até as camadas sociais constituídas pelos primeiros.
Essa conspiração perpétua de que nos fala Nabuco com propriedade, o desejo de formação de uma pátria liberta do escravismo, prosseguirá da parte dos negros em todos os momentos. Esse desejo manifestar-se-á em todas as ocasiões em que a sua participação foi solicitada.
As classes senhoriais racistas sempre viram essa participação como um perigo social, procurando, por isto, colocar os negros (escravos ou livres) como simples massa de manobra a fim de satisfazerem os seus objetivos estratégicos.
Essa tática da classe senhorial de usar o negro como massa de manobra vem desde as lutas contra os holandeses e continuará posteriormente. Nas lutas pela consolidação da Independência o mesmo quadro se repetirá. Parte da escravaria irá lutar, ou sob as ordens dos seus senhores ou por vontade própria ao lado das fileiras independentistas.
Mas, a Independência também não o libertou.

Logo depois do grito de D. Pedro I articularam-se os mecanismos políticos que irão organizar o novo tipo de Estado. Enquanto isto se verifica, havia necessidade de se organizarem núcleos patrióticos para consolidá-la militarmente E o negro foi mais uma vez mobilizado. Os escravos, no entanto, não aceitaram passivamente a situação de simples objetos mandados pelos seus senhores, e muitos fugiram para as matas, engrossando o contingente da quilombagem que já existia.

O Governo Provisório que se instalara na província procurou acautelar-se contra os prejuízos que essas fugas continuadas representavam à ordem social, baixando as seguintes normas para serem obedecidas sem reservas:

1) Que toda e qualquer pessoa que tiver em seu poder algum escravo que por legítimo título lhe não pertença, o entregue ao seu verdadeiro senhor; e, ignorando quem ele seja, vá logo recolher à cadeia mais vizinha, entregando-o ao Juiz respectivo; isto no prazo de quinze dias depois da publicação deste, abaixo das penas estabelecidas contra os receptores dos escravos alheios.
2) Que todos os Juizes e Capitães-Mores façam a mais exata indagação para descobrirem tais escravos e fazê-los prender. Recolhidos que sejam à cadeia, darão conta pela Secretaria deste Governo, remetendo uma lista circunstanciada, na qual se declarem os nomes, nação e sinais dos sobreditos escravos e a quem pertencem, sendo que eles o contassem; outrossim declarem os vencimentos que tiverem os Capitães-do-Mato ou quem os for prender, os quais se deverão regular pela distância em que forem presos com relação à morada dos referidos Capitães-do-Mato, na conformidade do seu regimento; e o dia em que forem recolhidos à cadeia a fim de saber-se o quanto tem despendido o carcereiro em comedorias, o que tudo se faz público pela folha que chegue à notícia dos seus donos.
3) Que todos os proprietários de Engenhos e Fazendas indaguem se nas suas terras se acolhem alguns destes escravos e os farão prender e remeter à cadeia vizinha, e não os podendo prender, por se recolherem às matas, dêem logo parte aos Capitães-Mores e Juizes, declarando o lugar onde lhes constem que existem.
Através de medidas como estas a classe senhorial resguardava-se das possíveis atitudes de rebeldia dos escravos, mesmo usando-os como massa de manobra militar contra as tropas portuguesas. O próprio general Labatut usou dessa tática, fuzilando escravos que ficavam ao lado dos colonizadores lusos e criando um batalhão de negros para combater ao lado de suas tropas.
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História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura - São Paulo: Editora Ática S.A., 1992