O reverendo Henry Koster descreve as condições desse comércio. Embora ele tenha escrito sobre o tráfico no século XIX, suas observações merecem ser transcritas, pois não houve mudanças significativas nos hábitos dos negreiros: "Como a viagem da costa da África às costas da América do Sul é usualmente curta, pois os ventos estão sujeitos a pequena variação e o tempo é comumente bom, os navios empregados nesse tráfico são, de modo geral, pequenos e não de ótima construção... Os navios negreiros eram a princípio superlotados a um ponto incrível e não havia meios de evitá-lo. Fez-se, porém, uma lei com o fim de restringir o número de pessoas em cada navio. Sou levado a crer, que não se dá atenção a esse regulamento..." Depois de vários dias em porões infectos, onde morriam aos magotes, os negros sobreviventes (que às vezes não passavam da metade dos inicialmente embarcados) eram expostos na cidade. |
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"Os escravos são colocados nas ruas diante das portas dos proprietários... deitados ou sentados em promiscuidade pelos caminhos, em número que atinge às vezes a duzentos ou trezentos. Os homens usam ao redor da cinta um pedaço de pano azul, puxado entre as pernas e preso nas costas. As mulheres recebem um pedaço maior de pano, que é usado como saia; e às vezes dão-lhes outro, com o fim de cobrir a parte superior do corpo... a vista dessa gente, Deus de bondade!, é a coisa mais horrível do mundo. Eles, porém, não parecem sentir mais que o desconforto da situação. Seu alimento é carne salgada, farinha de mandioca, feijão e às vezes banana da terra. A comida de cada dia é cozida no meio da rua, em enormes caldeirões. À noite, os escravos são conduzidos a um ou mais armazéns e o condutor fica de pé, contando-os à medida que eles passam. São trancados; e a porta é aberta de novo ao romper do dia seguinte. O desejo dessas míseras criaturas, de escapar a este estado de inação e desconforto, manifesta-se quando aparece um comprador. De bom grado se levantam para serem colocados em fila, com o fim se serem examinadas e tratadas como gado... Nunca vi qualquer demonstração de pesar ao se separarem um dos outros; mas atribuo este fato a um sentimento de resignação, ou antes, de desesperança, que reprime toda mostra de pesar, que os prepara para o pior, tornando-se indiferentes ao que possa acontecer. Além disso, não é freqüente que uma família seja trazida junta: a separação de parentes e amigos se fez na África. É entre a parte mais jovem do grupo exposto à venda que o prazer pela mudança de situação é especialmente visível; os negros mais velhos fazem o que o condutor deseja, usualmente de modo impassível. Existe uma espécie de parentesco entre os indivíduos trazidos no mesmo navio. Chamam-se uns aos outros de malungos e este termo é muito considerado entre eles. O comprador dá a cada um dos seus escravos recém-comprados um grande pano de baeta e um chapéu de palha e leva-os o mais depressa possível para a sua fazenda". |
Koster, Henry, "Viagens ao Nordeste do Brasil," São Paulo, 1942 in Brasil História - Colônia / Antonio Mendes Junnior, Luiz Roncari e Ricardo Maranhão - São Paulo: Editora Brasiliense,, 1976.
Imagens publicadas em Brasil Revisitado: palavras e imagens / Carlos Guilherme Mota, Adriana Lopez. - São Paulo: Editora Rios, 1989.