FELÍCITAS
 

Felícitas viveu vários anos entre os índios. Na foto, ela e um xavante
Felícitas, de cabelos loiros e gestos longos é como a chamei sempre. Como todos a conhecem.  Nunca vi publicado nem ouvi pronunciado seu sobrenome. Será que o tem? Porque mais parece de outro mundo, sem ligações de família.
Sei que passou a meninice em Niterói. "Mandavam-me para o colégio,” - confessou-me um dia – “e eu faltava as aulas. Ia lá para as bandas do Saco de São Francisco visitar o feiticeiro Omar, que me ensinava as danças e as cantigas dos santos do Candomblé".
Com as crianças da rua em que residia criou sua primeira companhia de ballet. Tinha um pouco mais de nove anos quando com quinze personagens dançou "Sonata ao Luar", de Beethoven, no palco do Cinema Odeon. Maria Olenewa estava na platéia. Ficou impressionada com a dançarina- mirim, com a coreógrafa de meio-palmo de altura. Convidou-a para entrar no Corpo de Baile do Municipal. Pouco tempo depois a glória ambulante que era Ana Pavlova assistia a uma das aulas de Olenewa. Notou particularmente a menina de cabelos louros e gestos longos.  Chamou-a. E pelo que presenciara, augurou-lhe um grande futuro como bailarina. Esse elogio criou asas. Voou até Buenos Aires. O "maítre" de Ballet do Teatro Colon a convidou para ser a segunda solista de seu famoso conjunto. Felícitas recusou o convite, porque seu pai se opunha a seu destino integrado na dança.
Deu para estudar pintura e escultura, artes indispensáveis à sua formação como coreógrafa.
Mais tarde, não podendo fugir à sua vocação, criou em 1948 o "1º Ballet Folclórico do Brasil", composto de negros que ao som de tambores contavam dançando as lendas colhidas por Felícitas na sua longa viagem de sete anos através do Brasil.
Esse Ballet lhe deu a fama que desde então a acompanha como sua própria sombra. Chegaram-lhe contratos para coreografias em filmes e no teatro. Aceitou muitos, emprestando a todos a riqueza de sua imaginação e da sua sensibilidade amadurecida entre homens íntimos de florestas, ágeis como as feras que perseguem e flexíveis como as asas que as vezes como que fazem um toldo colorido sobre os barcos que conduzem nos caminhos dos grandes rios.
Em 1957 Felícitas surgiu em Paris. Dançou no Teatro Isadora Duncan, motivos brasileiros.  Bisaram-na sete vezes. Era a revelação alada de um mundo estranho e longínquo. Poderia permanecer na Europa, jornadear pela América, aceitando os contratos que lhe foram oferecidos. Preferiu, porém, voltar para escrever este livro sem pretensões etnológicas. É o resumo de sua vida inteira dedicada a pesquisas e lendas brasileiras. A bailarina de cabelos louros e gestos longos nunca andou atrás do êxito, da glória. Mas sonhou sempre, iluminada de lirismo, doar, como um presente de valor inestimável, as jóias coreográficas e cenográficas com que escreveu este livro de beleza invulgar. 

Paschoal Carlos Magno

Danças do Brasil / Felícitas. - Rio de Janeiro:  Tecnoprint. , ssem/data

Gif animado da Animationfactory (ver conexões)
Mapagif: montagem de Angelo Zucconi

Terra Brasileira