Áreas de atuação do Birô no Brasil
A Divisão de Informações
 
O Cinema



Uma seção particularmente importante na Divisão de Informações era a de filmes. O Birô deu grande atenção a esse meio de comunicação social, convencido de sua extraordinária capacidade de penetração ideológica. Elaborou, por isso, um programa de proporções ambiciosas, tanto para filmes de ficção, como para documentários.

Em relação aos filmes ficcionais, desde muito cedo o Birô entrou em contato com os estúdios de Hollywood para enquadra-los na estratégia  geral do governo estadunidense para a América Latina: era necessário evitar a divulgação de filmes que pusessem em ridículo ou questionassem qualquer instituição estadunidense (por exemplo, filmes sobre relações raciais) ou ferissem suscetibilidades dos latino-americanos. Daí que o Birô conseguiu vetar filmes ou cenas inconvenientes, obtendo mudança de roteiros e refilmagens, até obter produtos “adequados” ao público do sul do continente. Nesta época, por força da atuação do Birô, os tradicionais “bandidos mexicanos” dos filmes de faroeste desapareceram das telas de cinema. Além disso, o Birô sugeria aos estúdios de Hollywood os “temas” que gostaria de ver abordados nos filmes de ficção para a América Latina.
 

Ademais, o Birô patrocinou tournées de astros e estrelas de Hollywood à América Latina e de artistas latino-americanos aos Estados Unidos. Tyrone Power, Bing Crosby e César Romero, entre outros, visitaram o Rio de Janeiro. Os diretores John Ford e Orson Welles tiveram missões especiais de filmar o Brasil, sendo que o último atuou também como jornalista a serviço da boa vizinhança, Mas o Birô não dormia no ponto: mandava os artista “em carne e osso” para serem admirados pelos fãs e aumentarem a popularidade de Tio Sam, mas ao mesmo tempo, fazia estatísticas das caixas registradoras dos cinemas para ver de que maneira a presença do astro ou estrela tinha afetado a rentabilidade dos filmes, programados para coincidirem com aquela presença entre nós.

 
 
Artistas brasileiros também iam aos Estados Unidos: alguns acabaram ficando, como Carmem Miranda; outros iam e voltavam. Ary Barroso foi contratado, na ocasião, para escrever um filme para a “Pequena Notável”. Na mesma linha de colaboração, o Birô procurou descobrir talentos latino-americanos para filmar nos Estados Unidos e estimulou o aumento de empresas cinematográficas estadunidense na América Latina. Fiel ao ideal de que uma boa política cultural não exclui bons lucros, esse programa ambicioso de uma cinematografia para América Latina objetivava explicitamente o desenvolvimento de um mercado latino-americano de filmes e o desenvolvimento de uma indústria cinematográfica latino-americana, em cooperação com o capital e o gerenciamento estadunidense.

Em 1941, realizou-se no Rio de Janeiro a 3.ª Convenção Sul-americana de vendas, patrocinada pela RKO e contando com a presença do já famoso Walt Disney. Na ocasião, foi exibido o longa-metragem do mesmo Disney, Fantasia, que extasiava as platéias latino-americanas. Pouco mais tarde, o desenho Alô, amigos! trilharia o mesmo caminho do sucesso na solidariedade hemisférica.

Zé Carioca – Foi nesse contexto e dentro dessa linha geral de ação que o Birô negociou com os estúdios de Disney a criação de tipos que ajudassem a realçar a solidariedade panamericana. Desse esforço, nasceu o nosso popular “Zé Carioca”, papagaio verde-amarelo, num desenho que se tornou famoso pelo apuro técnico e pela escolha perfeita do personagem em relação à sociedade que, através dele, se pretendia expressar.

O americano (dos Estados Unidos) que vem ao Brasil e encontra o “Zé” nada mais era do que o Pato Donald – o símbolo por excelência do “americano comum”. Donald é um pato e guarda, portanto, muita afinidade com o nosso papagaio – ambos aves domésticas e que podem se entender muito bem. Zé Carioca é falador, esperto e fã de Donald; sente um imenso prazer em conhecer o representante de Tio Sam e logo o convida para conhecer as belezas e encantos do Brasil. Brasileiramente, faz-se íntimo de Donald – quando este lhe estende a mão, Zé Carioca lhe dá um grande abraço – que aceita o oferecimento e sai para conhecer o Brasil. Nem é preciso dizer que Donald fica deslumbrado com as paisagens e os ritmos brasileiros e inteiramente “vidrado” na primeira baiana que encontra. (Para não ferir as suscetibilidade de nossas “elites”, eternamente ressentidas pelo apelido de “macaquitos” que argentinos nos aplicavam então, ou para não desagradar as platéias estadunidense, o fato é que os estúdios de Disney só puseram em cena baianas e baianos brancos; a mulata não teve vez.) Esse encontro histórico feliz se dá num pano de fundo musical escolhido a dedo (Aquarela do Brasil, Tico-Tico no Fubá e O que é que a Baiana Tem?) e conta com um requintado apuro técnico da indústria de filmes de Hollywood
Também aqui se dá o encontro perfeito: a sétima arte estadunidense e o talento musical e coreográfico brasileiro se juntam para produzir um hino à indestrutível amizade entre Donald e Zé Carioca, perdão, entre Estados Unidos e Brasil.

O Birô orientava também as companhias que produziam filmes de notícias, os “jornais de tela”, então muito apreciados. Havia um cuidado especial em balancear as “notícias ruins” (como o devastador ataque japonês a Pearl Harbor, por exemplo) com “notícias boas”, de modo que a franqueza de falar das “coisas ruins” fosse valorizada como uma virtude a mais do estilo americano de vida.

Documentários –  Outra área desenvolvida pela seção de filmes do Birô Interamericano era os documentários, que deveriam cobrir aspectos naturais, sociais, científicos e técnicos dos Estados Unidos e da América Latina. Maior importância foi dada evidentemente aos filmes sobre Estados Unidos a serem exibidos ao sul do continente.

Os filmes sobre a América Latina para exibição nos Estados Unidos centravam-se em assuntos históricos, viagens e vida corrente. O contraste era marcante: enquanto se mostravam as paisagens, flores tropicais, festas, folclore, sítios arqueológicos, artesanato e produção de bens primários (estratégicos) da América Latina, procurava-se mostrar dos Estados Unidos as indústrias bélica, aeronáutica, cinematográfica, siderúrgica, ótica, assim como os avanços técnicos-científicos (microscópio eletrônico, tecidos sintéticos, produtos químicos), além de suas belezas naturais, o sistema educacional e a cultura em geral.

Além da produção de filmes, sua distribuição e exibição integrava as preocupações do Birô. Somente no ano de 1943, ele patrocinou 8698 sessões de cinema no Brasil, que alcançaram cinco milhões de pessoas. E no afã de levar a mensagem da colaboração hemisférica aos mais afastados rincões do país, esboçou um plano para exibir filmes até mesmo onde não houvesse energia elétrica.

Patrocinou também a realização de 122 filmes em português, muitos dos quais sobre o esforço de guerra do Brasil. Um deles, muito apreciado segundo o Birô, mostrava cenas da migração de milhares de trabalhadores do Ceará para a Amazônia e o processo da produção da borracha. Era a famosa “batalha da borracha”, cujos resultados ficaram muito aquém da expectativa, mas cuja tragédia social ainda não foi devidamente contada. 

Para entender essa “batalha”, vamos lembrar que desde de 1940 os Estados Unidos se preocupavam em cortar o fornecimento de matérias-primas brasileiras ao Eixo. Pelos acordos econômicos assinados em maio de 1941, o Brasil se comprometia a vender exclusivamente aos Estados Unidos toda a produção de certas matérias-primas estratégicas (deduzido o volume necessário ao consumo brasileiro) pelo período de dois anos; esses acordos incluíam a borracha, que se tornou absolutamente escassa depois que o Japão avançou pelo Sudeste asiático. O Brasil tornou-se então o fornecedor privilegiado da borracha aos Aliados. Com a ajuda dos recursos dos Estados Unidos desencadeou-se a “batalha da borracha”, tentativa de estimular sua produção na Amazônia e tornar mais ágil sua distribuição. A complicada rede de produção/distribuição permitia aos intermediários abocanharem os melhores lucros, ficando o seringueiro reduzido à condição miserável em que sempre vivera. As levas de migrantes nordestinos que chegavam para essa “batalha” não tiveram melhor sorte.
 


 
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Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana / Gerson Moura. - 1. ed. - São Paulo: Brasiliense, 1984. - (Coleção tudo é história; 91)
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