Sudeste: Cozinha Mineira
Banquete no Palácio dos Governadores, em Ouro Preto
Oferecido ao Príncipe de Joinville, em 1838
Vejamos a parte relativa à recepção oficial, assim descrita:
“O Presidente em exercício, que a esse tempo era o Desembargador José Cesário de Miranda Ribeiro, mais tarde Visconde de Uberaba, conhecendo a indigência em que andava a cozinha do Palácio, autorizou completa reforma de tudo o que fosse necessário. Feitas as contas, tiveram de adquirir, no comércio da cidade, o melhor material que se podia empregar numa recepção oficial. Adquiriram, portanto, o seguinte: duas gamelas grandes de cozinha; duas panelas grandes, de barro; uma panela grande vidraça; duas sopeiras grandes, de barro com respectivas tampas; uma peneira fina; três caçarolas grandes, para 15 libras cada uma; uma caçarola pequena, para duas libras; uma faca grande; uma caneca de folha de flandres; seis varas de aniagem; quatrocentos palitos; mão e meia de papel branco; dezesseis garrafas pretas.

Administração da cozinha

Estando a cozinha em ponto de servir, seu Administrador, o Sr. Vicente Tassara, reúne-se com os elementos selecionados para a recepção. O quadro é formado por um encarregado de compras (Sr. João Roiz Lage), um cozinheiro (o preto João), quatro ajudantes de cozinheiro (Srs. Luiz, Ricardo, Florentino e o escravo Manuel, Angola), um copeiro (J. Lopes) e um ajudante de copeiro (Sr. Manuel Soares do Carmo).
O copeiro e o encarregado da despensa, juntamente com o Administrador da cozinha, organizam as listas dos mantimentos e de tudo que for necessário à preparação da mesa, recomendando o Administrador, que venham com prioridade para o Palácio 8 cavalos de lenha, 6 jacazes de carvão e três dúzias de velas de sebo para a iluminação das áreas de serviço, tudo encontradiço no mercado de Ouro Preto.
As listas de que abaixo damos relato, são materiais já adquirido em mãos de negociantes locais, sabendo-se que alguns deles, os mais abastados, por sinal, já sabem de antemão quais as mercadorias importadas que devem Ter em estoque, especialmente para os dias de festas no Palácio.

Disponibilidade do mercado

Feitas especialmente para a recepção ao Príncipe de Joinville, as listas abaixo variam, entretanto, de acordo com a solenidade que se vai comemorar.
Lista de Carnes:
Dois capados, trinta e quatro galinhas, dezoito frangos, nove patos, dois perus, seis filhotes de pombos, dois carneiros, 45 libras de presunto, 28 libras de peito de vaca, 4 arrobas de carne de vaca.
Lista de Condimentos:
Pimenta-do-reino, cravo, canela, cebola, alho, limões, vinagre-do-reino, vinagre-da-terra, mostarda, azeite doce, azeite francês, conservas.
Lista de Frutas:
Maçãs, pêssegos, uvas, melancias e ananases.
Lista de Verduras e Legumes:
Repolho, erva frescas, tomates, alface, baje, batata inglesa.
Lista de Diversos:
Pães, macarrão, litria, passas, cevadinha, arroz, farinha de trigo, leite, chocolate, nozes, coco da Bahia, queijo da terra, azeitonas, sal, manteiga, café, açúcar, ovos e amêndoas.
Lista de Doces:
Pudins, massas, doces diversos.

Mediante análise das iguarias e das quantidades que resolvemos omitir em serviço à concisão, constatamos que a sociedade antiga consumia o pão em diminutas quantidades, fato não ignorado entre nós, pelas repetidas narrativas de viajantes estrangeiros.
Não encontrados nas listas, nem feijão nem fubá, ao passo que – em se tratando de mesa palaciana, a presença de carnes de carneiro, filhote de pombo, peru, patos, presuntos e pouco mais era compreensível, residindo nisto, talvez, o luxo das sociedades mais abastadas, assim como o caviar restabelece hoje o prestígio do manjar palaciano.
De resto, nem nos condimentos pudemos notar diferença dos hábitos hodiernos, tampouco nas frutas e doces.

Uso antigo da bebida

Já se disse que nos velhos tempos, para os banquetes em palácios não se emitiam convites. Participava quem ousasse.
Considerando válido o costume, parece-nos lisonjeira a lista de bebidas postas na recepção ao Príncipe de Joinville. Senão vejamos:

Vinhos: Vinho de Lisboa, 76 garrafas; Vinho do Porto, 35; Vinho Feitoria, 14; Vinho Licante, 8;  Vinho Calabre, 6; Vinho “Bordox” (sic), 18; Vinho Madeira, 6: Vinho Malvizia, 4; Vinho Moscatel, 8; e Vinho Branco, 10 garrafas.
Champanhas:
Champanha simples, 6 garrafas; Champanha superior, 4; Carcavelos, 4 garrafas.
Cervejas, 23 garrafas.
Genebra, 4 garrafas.
Aguardente da Terra, 3 garrafas; Aguardente da França, 2 garrafas.
Restilo de Cana, 4 garrafas.
Licor Hazel Vasc, 1 garrafa.

A predominância dos vinhos entre as bebidas de uso em Minas Gerais revela a resistência dos hábitos lusitanos no espírito das sociedades, desde os tempos coloniais.
Nas camadas sociais menos favorecidas, a aguardente da terra tinha preferência sobre o restilo, que foi, em tempos idos, mais usado do que hoje.
O uso da cerveja, só cinqüenta anos mais tarde começaria a vingar em Minas, já sendo comum no período republicano, a sua fabricação até em povoados de densidade mais ou menos razoável.
Apenas para realçar o gosto dos anfitriões, face à presença do ilustre representante real da França é que apareceram na mesa do Palácio dos Governadores, as quatorze garrafas de “Champanha”, as duas de Aguardente-Francesa e uma do Licor de Hazel. É o que parece significar o custoso processo usado para conseguir, de um país tão distante, bebida de pouca tradição na terra.
O vinho Lisboa custava $400 a garrafa; o Licante e o Calabre, $600 cada uma; os do Porto, Madeira e Feitoria, $640 a garrafa; o Moscatel, $560; o Malvizia, $800 e o mais caro, o “Bordox”, 1$000. Cerveja, $640 a garrafa.
As bebidas mais caras do protocolo em questão, foram mesmo a Champanha comum, de 1$400 a garrafa. A Champanha superior, de 2$400, e o Licor de Hazel, de 2$400 – o que vem realçar o esforço realizado na época, para se conseguir o toque francês para a festa do Príncipe de Joinville.”

J. Seixas Sobrinho
Breve Crônica do Palácio dos Governadores no Século XIX,
O Estado de Minas, 21-06-1968.


Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira / Maria Stella Libânio Christo. – Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1978 – 2ª edição.
Fechar Janela
Terra Brasileira