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Histórico |
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Como começou
Alimentação de um Inconfidente em vila Rica (1791)
John Luccock em Minas de 1808 a 1818
John Mawe em Minas entre 1809-1810
João Emanuel Pohl em Minas entre 1817 a 1821
Saint-Hilaire
George Gardner em 1836
Banquete em Ouro Preto, oferecido ao Príncipe de Joinville, em 1838
Conde de Suzannet (O Brasil em 1857)
Francis de Castelnau (Expedições às Regiões Centrais da América do Sul)
George F. Burton em 1867
Francisco de Paula Cândido
Eduardo Frieiro
O poeta Belmiro Braga: Glória ao Tutu
Guimarães Rosa
Sinhás-Donas
O povo de Minas começou comendo pouco. Os paulistas que penetravam no interior do país, atrás de índio e de ouro, comiam milho e mandioca, dispensando até o sal. E comiam caça: anta, veado, capivara, macaco, quati, onça, aves.
Sem dispensar cobras e lagartos, formigas e “uns bichos mui alvos que se criam em taquaras e paus podres”.Comer o bicho da taquara era hábito alimentar do nosso gentio, que apreciava muito o gusano, segundo informa o Padre Anchieta em suas Cartas, publicadas pela Academia Brasileira de Letras: “Nascem entre as taquaras certos bichos roliços e compridos, todos brancos, da grossura de um dedo, aos quais os índios chamam raú, e costumam comer assados e torrados. Há-os em tão grande porção, indistintamente amontoados, que fazem com eles um guisado que em nada difere da carne de porco estufada”.Comiam também mel de abelha, palmitos de muitas castas, grelo de samambaia, carás do mato, raízes de pau e peixe de rio.
Mesmo assim houve uma grande fome em 1668, outra em 1700 e uma terceira em 1713.
O que nunca faltou foi pina. Quando o Conde de Assumar tentou impedir que a aguardente fosse para a capitania de Minas, em 1729, houve a revolta de Pitangui.
Por essa época, da Bahia veio o gado. Mas um boi custava 120 mil-réis, quando na costa valia só 2 mil. E todos os preços eram assim: a farinha custava 43 mil-réis o alqueire, contra 540 réis em São Paulo; uma galinha, 4 mil-réis em vez de 160 e 1 libra de açúcar subia de 120 para 1200 réis. Era mais barato comer macacos e içás, que os mineiros chamam tanajura.Até os primeiros anos do século da Independência, as cidades mineiras são mal arruadas, com ruelas tortuosas e ladeiras sem calçamento ou iluminação. De dia, galinhas, vacas, cavalos, porcos e cabras andavam livremente pelas ruas.
À mesa, ordinariamente, só se assenta o dono da casa, e quando muito os filhos já casados, e algum hóspede de consideração. Mesmo nos dias de festa, tomam os homens a um dos lados da mesa, e as mulheres ao outro, todos em bancos. Quase sempre, come-se com as próprias mãos. Só muito mais tarde é que se foi introduzido o uso de talheres. Ainda assim, até depois da Independência em muitas vilas do interior, nem todas as pessoas sabiam servir-se senão da colher. Na mesa não havia mais de uma faca.
Logo depois da fase do faziam os ricos questão de ter baixelas de preço, mais por luxo do que para uso.
Por essa época, o mineiro já era conhecido por comer couve, repolho e cebola. Também comiam muita fruta: pêssegos, marmelos, laranjas, maçãs e juás. Era a base, completada por feijão e milho, toicinho, queijo e azeite.
Ares sadios, clima temperado, boa comida (no fim do século XVIII), o que atrapalha é o papo – bócio -, “umas grandes grossuras, que lhes crescem no pescoço”, segundo Joaquim da Rocha (Memória Histórica da Capitania de Minas gerais, 1778).Entre 1830 e 1850 firma-se o café em Minas e seu uso se difunde rapidamente.
A recusa ao oferecimento de um café pode ser interpretada como desfeita aos donos da casa.
O café torna-se um hábito social, como o chá de congonha – uma variedade da erva-mate – antigamente, e até hoje o chá de folha de laranja.
John Luccock, comerciante inglês, esteve em Minas de 1808 a 1818 (Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil) e impressionou-se com as sobremesas: em um só jantar foram servidas 29 variedades diversas, principalmente frutas em compotas.
Apreciou muito as ervas que se comiam, mas diz que não eram muitas.
Peixe quase não se comia porque muita gente acreditava que dava lepra. Como não se comia carneiro, por não ser próprio comer “o cordeiro de Deus”. Em compensação, comiam muito porco, “para provar que não eram judeus”.
John Mawe, naturalista inglês, o primeiro viajante estrangeiro a ir a Minas, faz referência ao excelente queijo mineiro (Viagens ao interior do Brasil, particularmente aos distritos do ouro e do diamante, em 1809-1810), especialmente ao de leite de cabra. Mas, elogiando os doces que comia na casa do Capitão Rodrigo de Lima, em Borda do Campo, pediu a receita à dona da casa, que ficou ofendida: o trabalho doméstico era ocupação de escravos; uma senhora não trabalhava.
Segundo ele, o pão era muito bom, a carne passável, e o trivial pobre: feijão-preto com farinha de milho ou de pau e um pouco de toicinho frito; ao jantar, porco assado com couve; na ceia, hortaliças cozidas. Em dia de festa, galinha.
Para os negros, angu e feijão.
O naturalista austríaco João Emanuel Pohl (Viagem ao Interior do Brasil, entre 1817 a 1821) diz que, além disso, comiam muita banana e laranja, assim como ovos estrelados, mas que a carne de vaca era considerada nociva à saúde, assim como o queijo fresco e a manteiga.
O uso do garfo e da faca só se tornou comum para a maioria, que preferia comer com os dedos, porque “dá mais gosto”, quase no fim do Império.
O chefe da casa é quem servia a todos os comensais e comer do prato do vizinho era prova de amizade.
Saint-Hilaire (Viagem às Nascentes do São Francisco e pela Província de Goiás) descobre em Nossa Senhora do Rio Vermelho um preconceito pouco mineiro: contra a couve, que diziam dar barriga-d’água.
O botânico George Gardner (Viagens no Brasil, São Paulo, 1943), em 1836, diz que as mulheres mineiras são as mais belas e os homens os de mais fina raça, atribuindo isso ao clima, à água excelente, às hortas e aos pomares.
Mas o Conde de Suzannet, na mesma época, queixou-se da falta de educação dos mineiros, da comida muito temperada e de sua maneira de recusar outros pratos dizendo: “Tenho a barriga cheia” (O Brasil em 1857). Informa ele que os mineiros viviam “entulhando-se de pratos indigestos”.Francis de Castelnau, mais de vinte anos depois (Expedições às Regiões Centrais da América do Sul), nota que o arroz é um luxo em quase todo lugar, mas faz parte da dieta do povo de Minas, sendo servido até aos escravos.
Chama a atenção para o fato de o cará substituir o pão “com muita vantagem”.
O Capitão inglês George F. Burton (Viagens aos Planaltos do Brasil, Rio, 1868) é o primeiro a referir-se ao tutu de feijão; e mal. Em 1867 diz ele que comeu uma “cataplasma de feijão”. Mas elogia o arroz “bem cozido, solto, melhor que o arroz europeu”. Assim como elogia o café com leite.
Os escravos, esses comiam angu e feijão com toicinho, e ervas, principalmente couve, mostarda e serralha, além de laranja, banana, mandioca e batata.O que leva o Conselheiro Francisco de Paula Cândido a dizer que os escravos mineiros comiam melhor do que os jornaleiros das fábricas na Europa, “escravos pela fome”. Mas nem sempre, que a maioria comia no cocho, e para sobreviver devia encontrar no mato raízes, palmitos e frutas. A maioria comia mesmo era abóbora e fubá sem sal.
O trivial da mesa mineira – segundo Eduardo Frieiro – era e ainda é tradicionalmente o mesmo, com poucas variações: feijão, angu, farinha de milho ou de mandioca, arroz solto, lombo de porco, lingüiça, carne de boi seca ou verde, galinha e couve.
Do grande número de feijoeiros, o preferido em minas é o grupo do mulatinho, mas usam-se também o chumbinho, o manteiga, o roxinho e o preto.
O feijão é cozido quase sem caldo, não esmagado. A ele se juntam torresmos fritos e farinha de mandioca: é o “feijão-tropeiro”, que não dispensava pimenta. Assim como o café não dispensava erva-doce.
Feijoada, ontem como hoje, quase não se fazia a chamada completa. E de feijão ainda se faziam bolinhos, acarajés, servidos antes da comida, com pinga.
Aos domingos, galinha. Sobremesa: queijo com melado.
Nas grandes mesas, caça, perdizes, codornas, pacas, tatus, caititus, antas e veados.
Ao leite, o mineiro nunca foi muito chegado; frutas, só as da terra; folhas, poucas.
Do pouco consumo de leite resultou a maior produção de queijo (80% da produção brasileira), iniciada em 1855, na Mantiqueira, por Carlos Pereira de Sá Fortes, que fazia o queijo dito mineiro, branco e discóide, que o mineiro não consome fresco.
Foi aí também que nasceu o queijo dito “do Reino”, um dos melhores e mais estimados do Brasil, e o nosso parmesão.
Feijão, angu e couve, mais o arroz e a pinga, franco, abóbora e taioba, lingüiça, lombo e costeleta de porco, quiabo, queijo e compota de quiabo, ou doce leite, isto é um resumo da história de Minas.
Como dizia Guimarães Rosa, Seu João para os íntimos, escritor muito mineiro:
“Nosso não será o petróleo tanto assim. Nossos, bem nossos, são o doce de leite e o desfiado de carne-seca. Meu – perdoem-me – é aquele prato mineiro verdadeiramente principal. Guisado de frango com quiabos e abóbora-d’água (ad libitum o jiló) e angu, prato em aquarela, deslizando viscoso como a vida mesma, mas pingante de pimenta”. Sem esquecer os doces, “à frente os de calda, que não convém deixem de ser orgulho próprio e um dos pequenos substratos do bem-querer à pátria e do não desentender a nação”.
A Cozinha Brasileira - São Paulo: Circulo do Livro S.A. (Edição integral Revista Cláudia - Editora Abril S.A.), sem data.
Fogão de Lenha – 300 anos de cozinha mineira / Maria Stella Libânio Christo. – Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1978 – 2ª edição.
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