Sudeste: Cozinha Capixaba
Toda cozinha que se preza tem um segredo.
E a cozinha capixaba não poderia passar sem essa tradição.
E, como todo segredo, fica sendo desvendado, mais cedo ou mais tarde, sem que todo o mistério fique resolvido, é claro.
E o segredo é uma arte. A arte de temperar e cozinhar sem fugir às origens.
É uma cozinha das mais típicas brasileiras: nem a África conseguiu, aqui, meter sua colher de pau. O que vale, na cozinha saborosa do Espírito Santo, é tudo o que veio junto com a colonização, que começou em 1535: e ficou nisso.
Come-se o que os índios comiam: muito peixe, muita caça, muito palmito, urucu, farinha de mandioca, raspa de mandioca, mandioca-puba, cauaba ou cauim, aipim e milho verde, muito marisco e muita pimenta também.

Conta mais Dona Yvonne Pedrinha de Carvalho Amorim, autora de “A Cozinha Capixaba e Suas Origens”: o prato principal, de maior importância, é a gloriosa torta capixaba, preparada com mariscos, que é o único prato brasileiro de cunho religioso cristão, preparado em todo o Espírito Santo, desde o século passado, durante a abstinência de carne obrigatória pela Igreja Católica.
É uma torta feita em frigideira de barro, à base de todos os mariscos e mais: siris, caranguejos, camarões, ostras, peixe salgado, bacalhau, palmito, e é aí que começa a entrar a influência dos colonizadores. A torta é completada por azeite doce (que é como se chama por lá o azeite de oliveira, do mais puro paladar português), gordura de toicinho, alhos, coentro, pimenta-do-reino, cravo-da-índia e azeitonas.
A verdadeira e autêntica torta capixaba é assada em brasas na folha-de-flandres, depois de muito bem coberta com ovos batidos e enfeitada com rodelas de cebola dispostas com muita arte e bom gosto.

Quem freqüenta o Espírito Santo não se esquece jamais de um grito comum nas estações de trem, dado por uns moleques alegres de olhos esbugalhados:
“Olha o bolim de arroz! Bolimmmm de arroz!” E o grito continua pelas ladeiras da cidade de Vitória, para a alegria de todos que gostam de uma das mais saborosas tradições da cozinha capixaba, o bolinho de arroz, levado em cestas de taquara cobertas com toalhas das mais brancas que se possa imaginar.

Outro prato indígena, adotado até hoje pelos capixabas, é o muxá, feito de milho especial socado em pilão, e o mingau de folhas, de gosto estranho, preparado com folhas de taioba, palmito couve rasgada, fava cozida (ou feijão preto), água, sal, coentro caboclo e mandioca-puba.
Banana-da-terra, com canela e açúcar, é presença diária e obrigatória na mesa capixaba: com ela o peixe, a carne-seca e o feijão ficam muito mais gostosos.

Em matéria de doces, a variedade é muita: bolo de mandioca-puba, assado no forno ou (como faziam os índios) fincado numa flecha e assado no braseiro. Milho verde transformado em papa, em pamonha, bolinhos de aipim, beijus de tapioca, cuscuz de tapioca e arroz, manuês, pães de cará, de milho, de aipim, cremes assados com brasas em cima, doces de compota, jenipapina e refrescos de fruta, o bolo “montanha de neve”, indispensável nos aniversários e nos casamentos, recheado com goiabada da boa e coberto com suspiro bem alvo, e muito bagaço de coco.
A lista de doces continua, com nomes gostosos e poéticos: “lábios de moça”, “lençol de noiva”, “espera marido”, “palminhas de noiva”, “creme das virgens”, “não chega para ninguém” e “beijos de moça bonita”, para terminar com um refresco delicioso de abacaxi, que se chama “xixi de moça”.

Além dos condimentos trazidos pelos portugueses, como conta Gabriel Soares no seu “Tratado Descritivo do Brasil em 1587”, a participação da mulher portuguesa, criando e adaptando as receitas trazidas do Reino aos produtos da nova terra, é muito marcante. Mas, no século XIX, imigrantes italianos e alemães levaram ao interior das terras do Espírito Santo o hábito da polenta, do queijo parmesão, dos patês, dos bolos de mel, do pão feito em casa e assado em fornos de barro, dos capeletes recheados com carne de galinha.

Mas nada, nada de africano entrou no preparo da cozinha capixaba.
Do que o povo do Espírito Santo gosta mesmo é de moqueca, usando as velhas panelas de barro dos índios da terra, temperada com muito azeite doce, urucu, muita farinha, muita pimenta, e, principalmente, muito amor.



A Cozinha Brasileira - São Paulo: Circulo do Livro S.A. (Edição integral Revista Cláudia - Editora Abril S.A.), sem data.
 
 
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