Sudeste: Introdução à
Cozinha Paulista e a Carioca
A cozinha carioca e a paulista não se podem dizer típicas. Mas certa forma, tanto no Rio quanto em São Paulo come-se de um modo muito particular. Desculpem os outros, mas um filé com fritas carioca é diferente, sensivelmente diferente. Como a pizza (ou as pizzas) paulista é – pelo menos para nós – bastante superior à italiana de origem. Fato citado até mesmo por italianos amigos que não gostavam de pizza na Itália.
Pode ser que haja um certo exagero na afirmação. Pode ser. Mas também conheço alemães para quem nosso chope é o melhor do mundo e a nossa cerveja tão boa quanto.
Na verdade, Dom João VI saiu daqui dizendo maravilhas das nossas galinhas, que nunca comera assim tão delicadas e esquisitas.
Atente-se para o fato: esquisito era um adjetivo de qualidade.

A farofa, a bem dizer, não é carioca. Mas a carioca é capaz de eliminar o preconceito dos estrangeiros, que sempre olham para ela, à primeira vista, com maus olhos, imaginando que só um povo de mau paladar pode comer areia, essa coisa seca que ela aparenta ser. E, no entanto, sei de um embaixador inglês, recém-embarcado, que levou consigo um saco de farinha de mandioca, deixando instruções para que se fizesse uma remessa regular, porque nunca mais comeria seu rosbife que não fosse acompanhado da nossa farofa na manteiga.

E os ensopados? Os restaurantes cariocas – com raras e honrosas exceções, como a do Escondidinho, no Beco dos Barbeiros – desprezam a nossa comidinha caseira por galicismos não tão agradáveis quanto um bom ensopado de agrião, de vagens frescas, de abóbora, de quiabo, meu Deus!
Como não cuidam de dar status a outras glórias que devemos ir buscar nas casas de família e nos restaurantes populares: fígado acebolado, rim ensopado, miolo ao escabeche e outros que tais. Empadas: há empadas como no Rio?
Além da nossa cozinha familiar, suburbana, fazemos dos pratos estrangeiros outra coisa: um stroganoff carioca é, pode-se dizer, tão tipicamente carioca, quanto os mineiros que vivem no Rio há vinte anos. Em São Paulo, isso também acontece.

O brasileiro, em verdade, não é de respeitar tradições, receitas, origens: chegando aqui, a comida adquire rapidamente um sotaque brasileiro, naturaliza-se. O curry, por exemplo, passa a pó de caril e entra no ensopado como se fosse da casa. Não respeitamos nem mesmo as nossas tradições. Um camarão à baiana no Rio e em São Paulo é tão pouco baiano quanto o carioca ou o cozinheiro nascido em São Paulo. Pois se chegamos até a transformar o Bauru!
Casemiro Pinto Neto foi quem inventou esse sanduíche: “O meu era com queijo tipo mozzarella, rosbife, tomate tipo italiano e sal. O pão devia sempre ser fresco, nunca aquecido, e tirava-se o miolo, como do tomate a semente. Só a mozzarella ia quente. Hoje, entra até presunto, alguns chegam a ter alface, imagine...
Inventado em 1935, o Bauru sofreu com a guerra. Faltava mozzarella: pode um queijo qualquer; faltava carne: bota presunto; não tem tomate italiano: bota qualquer um. No caso, o resultado foi pior: o sanduíche do Bauru (Casemiro nasceu lá) era um soneto. E é. Mas, em outros casos, em outros casos, cariocas e paulistas podem orgulhar-se de emendas bem mais felizes e poéticas que o original.
A cozinha carioca, por malícia. A paulista, por bairrismo.
Malícia que fez do café com leite – invenção holandesa – uma refeição. (John Nieuhof, diz-se, inventou e descobriu o café com leite em 1660).
Bairrismo que fez questão de esquecer as origens do café e a maneira pouco delicada como entrou no Brasil (graças a um senhor Palheta, que conquistou a senhora d’Orvillier e ganhou, por seu amor, umas sementes, enganando duplamente o príncipe marido dela), levando Mário de Andrade a fazer uma ópera (ainda inédita) em seu louvor e a escrever: “De café, só quem entende somos nós, que definitivamente somos responsáveis por sua invenção, como qualquer pessoa instruída deve saber”.



A Cozinha Brasileira - São Paulo: Circulo do Livro S.A. (Edição integral Revista Cláudia - Editora Abril S.A.), sem data.
 
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