Mitos coletados por Nimuendaju
Os Mura são oriundos do rio Madeira, de onde se espalharam, durante o século XVIII, em guerrilhas temíveis até São Paulo de Olivença, no Solimões, Oriximiná, no Trombetas, e a foz do Jamary, no sul. Em 1784, fizeram as pazes com os neobrasileiros, e hoje ainda existem em numerosos núcleos pequenos e mesclados, principalmente na região do Autaz e do baixo Madeira. Seu número total é de uns 1.500. Sua língua é isolada. Os fragmentos de lendas foram colhidos no Autaz, em 1926.*
Constelações
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A mancha preta na Via-Láctea, entre as constelações do Cruzeiro e do Centauro, representa um peixe-boi, junto do qual estão dois pescadores. Um deles é levado para o fundo d'água pelo peixe-boi que o tomou às costas, enquanto o outro se prepara para arpoar o animal. Atrás do peixe-boi, vê-se a espuma d'água (Via-Láctea) causada por ele.
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O arco-íris
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O arco-íris é a boca aberta da cobra grande, pela qual as almas dos defuntos entram no céu.  Para que a cobra as deixe entrar, mete-se uma moeda na boca do defunto ou, se for muito pobre, uma rãzinha.
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O dilúvio
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A água começou a subir. Os homens fugiram à procura de algum lugar onde estivessem a salvo.  Achando um rochedo alto, ali se reuniram, vivendo dos animais que igualmente se haviam refugiado nele. Quando, finalmente, a água desapareceu, eles não acertaram mais o caminho de volta para a sua terra, de tão longe que haviam fugido, mas um pajé conduziu-os para trás, direto no rumo do leste, para o lugar da antiga aldeia.
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O incêndio universal
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Na margem setentrional do Amazonas podem-se ver ainda hoje os vestígios do incêndio universal, no terreno árido, coberto somente de arbustos baixos e secos, perto de Manuas. Os homens fugiram. Um deles cavou um buraco fundo no chão com um motá que conduzia para baixo. Ele escorou as paredes do buraco com paus, para não caírem. Levou lenha e folhas de palmeiras para baixo e fez uma choça. Sua mulher fez trinta potes que encheu com água.  Depois ele fechou a boca do buraco com uma laje, e esperou pelo fogo que passou por cima com ruído. Em distância de uma légua do fogo, já se sentia o calor. Também, dentro do buraco, o calor aumentou. Depois de duas semanas, ele apalpou a laje e sentiu que ainda estava quente.  Esperou que ela esfriasse e depois empurrou-a para o lado, com auxílio de seus dois filhos (ele tinha também uma filha). Ele encontrou a terra toda árida, sem água nem plantas. Só havia o céu e a terra. Ele trouxe o seu material para cima e fez uma casa, mas estava muito triste porque só lhe restavam dez potes com água. Então ele viu passar o Espírito Santo, com tambores e bandeiras, e lhe pediu água. A Santo Antônio ele pediu peixes; a São João, palmeiras; e a São Pedro, maniva. Este mandou que ele virasse as costas, e quando ele teve licença de olhar, a maniva já tinha um pé de altura.
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A flauta dos porcos-do-mato
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Um homem, casado de novo, foi ao mato caçar porcos e matou uma porca que tinha leitões.  Os outros porcos, cercando-o, obrigaram-no a se refugiar numa árvore, de onde ele matou ainda dois outros deles. Mas os animais escavaram as raízes da árvore, e, quando esta caiu, eles agarraram o homem, levando-o. A mãe dos porcos (tapeyára), um animal pequeno e vermelho, conservou-o em sua companhia. Quando eles passavam em lugares onde havia uixis, buritis ou biribás, ela perguntava se ele comia essas frutas e ele respondia que sim. De noite o homem teve de dormir entre eles e, assim que tentava levantar-se, os porcos também, imediatamente se levantavam grunhindo e farejando.
Um dia eles voltaram ao lugar onde os porcos o haviam aprisionado. O homem se deitou ao pé de uma árvore, à beira d'água e, quando todos estavam dormindo, ele trepou, passou pelos galhos de uma árvore para outra, saltou n'água e se escondeu na copa de uma árvore do outro lado. Tinha levado a flauta dos porcos consigo. Antes de clarear o dia, os porcos descobriram a sua fuga e cercaram o igapó à sua procura sem, porém, descobri-lo. Ele foi para casa, onde encontrou mulher e filhos que já suspeitavam que ele tivesse morrido em algum desastre.
Ele convidou a mulher, o irmão e os cunhados para caçarem porcos em sua companhia. Ficando todos na canoa, ele soprou duas vezes a flauta. Logo apareceu, em tropel, um grande número de porcos, dos quais ele matou tantos quanto quis.

Mais tarde chegou seu outro irmão do Pará e quis saber como tinham matado tantos porcos.  Tirando a flauta do cesto do irmão, o que havia chegado disse que aquele tinha sido muito tolo de se deixar capturar pelos porcos. Ele foi pelo caminho da terra e soprou a flauta, mas os porcos chegaram, mataram-no e levaram outra vez sua flauta.

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