O Birô Interamericano
Fase preparatória

 
No final do século XIX, os políticos estadunidenses constataram que “as grandes nações do mundo estão devorando rapidamente todos os lugares desocupados da terra” e que “os Estados Unidos não devem ficar atrás”.
(Por lugares desocupados entendo que sejam onde não havia dominação cultural por parte das grandes nações...)
 
“Fluxos “culturais” de mão única partem dos paises do Centro e inundam o planeta; imagens, palavras, valores morais, normas jurídicas, códigos políticos, critérios de competência transbordam das unidades criadoras para o Terceiro Mundo através dos meios de comunicação (jornais, rádios, televisões, filmes, livros, discos, vídeos).
Esses fluxos de informação não podem deixar de “informar” os desejos e necessidades, as formas de comportamento, as mentalidades, os sistemas de educação, os modos de vida dos receptores. Esta propaganda insidiosa é um “donativo” irresistível que testemunha a vitalidade transbordante das sociedades hiperdesenvolvidas, mas asfixia toda a criatividade cultural dos receptores passivos das mensagens”. (1)

Os Estados Unidos entraram também na corrida imperialista desde a guerra contra a Espanha em 1898, o que lhes permitiu ocupar territórios no Pacífico (Havaí, Filipinas), no Caribe (Porto Rico), assim como estabelecer o direito de intervir em Cuba e estimular o separatismo panamenho em relação à Colômbia, a fim de construir o canal do Panamá (que o Congresso colombiano recusara em princípio).
Desde então, os Estados Unidos intervieram política e militarmente várias vezes em países do continente. Justificando esse intervencionismo o próprio Roosevelt disse que havendo no continente incidentes crônicos ou governos incapazes de manter a ordem, uma nação civilizada deveria intervir com poderes de polícia internacional para solver os problemas.
Ora, a Doutrina Monroe1 impedia que governos europeus assumissem esse papel policial nas Américas; portanto, os Estados Unidos deveriam arcar com essa responsabilidade. Justificativa menos sofisticada foi formulada pelo presidente Taft2, para quem uma política exterior justa não excluía uma "intervenção ativa para assegurar a nossas mercadorias e a nossos capitalistas facilidades para investimentos lucrativos".

No final da década de 20, os governos latino-americanos, cansados dessa vizinhança, começaram a exigir nas conferências interamericanas o respeito ao direito de autodeterminação dos povos e ao princípio da não-intervenção. Foi nesse contexto que Franklin D. Roosevelt elegeu-se presidente dos Estados Unidos (1933) e anunciou uma nova política em relação às nações latino-americanas: a política da boa vizinhança

A boa vizinhança apresentava-se como uma avenida larga, de mão dupla, isto é, um intercâmbio de valores culturais entre as duas sociedades. Na prática, a fantástica diferença de recursos de difusão cultural dos dois países produziu uma influência de direção praticamente única, de lá para cá. Nossos compositores populares perceberam a mão única da troca cultural que então se propunha e a expressaram criticamente em suas músicas. Nos versos de Assis Valente, por exemplo,

O Tio Sam está querendo
conhecer a nossa batucada.
Anda dizendo que o molho da baiana
melhorou o seu prato...
Eu quero ver, eu quero ver
eu quero ver o Tio Sam tocar pandeiro
para o mundo sambar...


Notas: 1. Doutrina Monroe: Conjunto de princípios de política externa enunciados pelo presidente estadunidense J. Monroe em sua mensagem anual ao Congresso, em 2 de dezembro de 1823. Esta doutrina visava preservar o continente norte-americano e a América Latina contra novas intervenções colonizadoras européias. O continente americano seria protegido pelos EUA, que declararam ao mesmo tempo seu desinteresse pelos negócios europeus (isolacionismo).
Os Estados Unidos tornaram a invocar a Doutrina Monroe na sua guerra de 1898 contra a Espanha, após arrancar a colônia de Porto Rico e proclamar a independência de Cuba, pela qual há muito vinham lutando os cubanos, com José Martí (1853-1895) à frente. Na sua marcha rumo ao sul, os Estados Unidos haviam comprado a Flórida à Espanha, em 1819; depois, obtiveram junto à Dinamarca as ilhas Virgens, no Caribe; em seguida, intervieram militarmente em diversos pequenos países da América Central para cobranças de dívidas externas.
Quanto ao Tiar (Tratado Interamericano de Defesa e Assistência Mútua, criado em 1947) e à própria Doutrina Monroe, viu-se na Guerra das Malvinas (1982), entre Argentina e Grã-Bretanha, que não valiam para os Estados Unidos contra seus aliados; a Grã-Bretanha pôde enfrentar a Argentina sem qualquer protesto de Washington.
2. Taft (William Howard), eleito presidente dos EUA (republicano) em 1909.


 
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Política da Boa Vizinhança


Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana / Gerson Moura. - 1. ed. - São Paulo: Brasiliense, 1984. - (Coleção tudo é história; 91)
Quadro 1. A Ocidentalização do Mundo / Serge Latouche; tradução de Celso Mauro Paciornik. - Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. - (Coleção horizontes da globalização)
Notas: Grande Enciclopédia Larousse Cultural - São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1988.
O Mercosul: A Integração Econômica da América Latina / Vamireh Chacon. - São Paulo: Scipione, 1996. - (Série Opinião e Debate).
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